quinta-feira, 8 de julho de 2010

LAVOURA ARCAICA


Gerana Damulakis
---------------------para Helena, (http://bipedefalante.blogspot.com/)

...o tempo, o tempo, esse algoz às vezes suave, às vezes mais terrível, demônio absoluto conferindo qualidade a todas as coisas, é ele ainda hoje e sempre quem decide e por isso a quem me curvo cheio de medo e erguido em suspense me perguntando qual o momento, o momento preciso da transposição?
--------------------------Raduam Nassar


Na lista dos romances “clássicos” da literatura brasileira — “clássicos”, segundo uma conceituação que leva em conta a excelência dentro de certa literatura —, seguramente Lavoura Arcaica (1975), de Raduam Nassar, tem seu lugar garantido.

O romance é estruturado conforme a parábola que lhe serve: a parábola do filho pródigo, aquele que parte e retorna. André é o filho que partiu, um filho violentado pelas leis rígidas da família: a ditatorial lei paterna, a afeição materna, a família fechada para o mundo.

No início do romance, André recebe o irmão mais velho, que veio para buscá-lo. André revive os acontecimentos determinantes de sua partida, incluindo o incesto com a irmã. As reflexões de André, durante todo o romance, seguem justamente aquele tom dos sermões que o pai pregava, só que, enquanto o pai deita conselhos alicerçados na palavra “não”, André quer dizer “sim” para tudo, até para o que contraria as leis naturais.

A grande discussão gira em torno do tempo: é o tempo que guia o acerto de contas familiar. O pai usa o “nunca”, o filho quer o “já”. E, já, André volta, e volta com sua caixa cheia de badulaques. A irmã, Ana, usa tais badulaques nos festejos da volta do irmão, dando, assim, mais uma volta no tempo — algo que o pai não suporta.

A linguagem, como sempre a linguagem, é movida pela força e pelo fôlego; este último, o fôlego, confere à narrativa por ele ritmada, a originalidade do discurso. E ainda: o tom é o de um recital, ora trágico, ora lírico. Seja pela elaboração, estrutura, registro e versão da parábola, seja pelo tanto de recursos de linguagem, o poder das metáforas, o vocabulário diverso e rico, Lavoura Arcaica é um grande romance da literatura brasileira do século vinte e marca o nome de Raduam Nassar na galeria dos grandes escritores brasileiros.


Foto: Raduam Nassar.