domingo, 10 de outubro de 2010

COISAS DO DIREITO


Gerana Damulakis

O que se segue foi contado pelo poeta Sidney Wanderley por e-mail, mas é oportuno, ainda que fora do contexto da nossa conversa virtual. Gostei tanto que pedi sua autorização para reproduzir aqui.

Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um
barulho estranho vindo do quintal. Indo até lá, constatou ha-
ver um ladrão tentando levar seus patos de estimação. Apro-
ximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao
tentar pular o muro com suas amadas aves, disse-lhe:

− Ó bucéfalo anácroto! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos
emplumados bípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de pro-
fanares o recôndito de minha residência, levando meus ovíparos
à socapa e à sorrelfa. Se fazes isso por necessidade, transijo;
mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cida-
dão digno e altaneiro, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem
no alto de tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei
à quinquagésima potência do que o vulgo denomina a partícula in-
significante do átomo!!!

E o ladrão, sem pestanejar, respondeu ao mestre baiano:
− Doutor, não entendi: eu deixo ou levo os patos?

Conto essa história, inutilmente, para ver se consigo reduzir um
pouquinho a pedanteria e a linguagem empolada dos "operado-
res do Direito". Como disse, inutilmente.

SIDNEY WANDERLEY

13 comentários:

nydia bonetti disse...

Alguns críticos de literatura também fazem uso desta "linguagem empolada", o que eu acho muita graça(risos). Por isso te admiro, Gerana. A tua crítica é sempre tão clara, tão lúcida, direta e serena, sempre tão rica em conteúdo e a generosidade em compartilhar conosco tuas impressões e interpretações literárias, é mesmo admirável. beijo, boa semana!

Pena disse...

Oh, Doce e Preciosa Amiga:
FENOMENAL!
Adorei, amiguinha linda.
É sublime e engraçado.
Como me ri com a eloquência do Senhor.
Parabéns.
Beijinhos mil ao seu sublime bom gosto, requinte e sensacional estar.
Com respeito pela sua grandeza literária do seu pensamento divinal.
Fantástico.
Com constante admiração pelo que faz de extraordinário.

pena

Excelente!
MUITO OBRIGADO pela honra da sua preciosa amizade de pureza, encanto e ternura.
Adorei.
Bem-Haja, talentosa amiga de sonho.

Anônimo disse...

Divertidíssimo! Agora, deixo nesse seu blogue meu ranço de sempre: doutor não é título conferido somente a quem concluiu doutorado?

Anônimo disse...

GERANA:

Nada mais antiliterário e indigesto
que a linguagem empolada com que se
lambuzam 95 de cada 100 almas que se dedicam ao Direito. Mais que o ladrão (bucéfalo anácroto), nós so-
mos os patos dessa história (data venia, roubados sempre). O antídoto? Machado, Eça, Saramago,
Drummond, Pessoa, Drummond, enfim, a boa literatura.
Abraço do SIDNEY

João Renato disse...

Gerana,
Não só os bacharéis fazem uso da linguagem pomposa. Nietzsche no Zaratustra critica os poetas que "turvam suas águas para que pareçam profundas".
Um abraço,
JR.

Tania regina Contreiras disse...

É uma história conhecida, mas sempre que a ouço, Gerana, lembro que a simplicidade é uma grande arte, coisas pros talentosos mesmo.

Beijos,
Tânia

Eleonora Marino Duarte disse...

hahahahaha,

sensacional! para mim que penei em dois anos de direito, nada calha mais perfeito. hahahah


repito as sábias palavras do autor aqui no comentário:

"O antídoto? Machado, Eça, Saramago,
Drummond, Pessoa, Drummond, enfim, a boa literatura."

está certíssimo ilustríssimo SIDNEY! certíssimo!

gerana, muito bom, querida.


um beijo.

Unknown disse...

eu acho divertida essa linguagem empolada, principalmente a do Rui, do Águia. Quanto aos outros não me venham senão saco do meu cajado e pimba, rs,rs,



abraço

silvia zappia disse...

Genial! gracioso y genial!

besos*

Anônimo disse...

hahahahaha
Gerana, dei boas risadas. Descobri tbm que sinagoga quer dizer cabeça.

E os empolados passam por tantas situações como essa... já pensou? É uma vingança.

Gerana, sempre uma fonte inesgotável de lirismo!

Obrigada querida!

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

o direito brasileiro sempre foi feito para amedrontar e tripudiar com as palavras...

Fernando Campanella disse...

Boa noite, Gerana, muito bom este mini-conto, eu já o conhecia, e realmente é muito sintomático de um certo pedantismo arcaico que muitos ainda insistem em levar adiante.
Grande abraço.

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado