domingo, 7 de março de 2010

UMA POESIA IMPRESCINDÍVEL



Gerana Damulakis

Ignacio Vázquez, no seu blog Lisarda Baila Cumbia (http://lisarda.blogspot.com/), fez uma postagem para me apresentar a poesia de Robero Juarroz. Traduzi ligeiramente o poema que segue abaixo. Vale a pena adentrar e conhecer a poesia do argentino. Logo depois, lembrei que Gonçalo M. Tavares tem um volume intitulado O Senhor Juarroz (Casa da Palavra, 2007), da série: O senhor Calvino, O Senhor Kraus, O Senhor Walser, O Senhor Breton. Também vale a pena, a série é uma homenagem aos escritores.

Roberto Juarroz, Poesía vertical XI, 25 (1988)


Cada poema faz olvidar o anterior,

apaga a historia de todos os poemas,

apaga sua própria historia

e até apaga a história do homem

para ganhar um rosto de palavras

que o abismo não apague.



Também cada palavra do poema

faz olvidar a anterior,

se desprende um momento

do tronco multiforme da linguagem

e depois se reencontra com as outras palavras

para cumprir o rito imprescindível

de inaugurar outra linguagem.



E também cada silêncio do poema

faz olvidar o anterior,

entra na grande amnésia do poema

e vai envolvendo palavra por palavra,

até sair depois e envolver o poema

como uma capa protetora

que o preserva dos outros dizeres.



Tudo isto não é raro.

No fundo,

também cada homem faz olvidar o anterior,

faz olvidar a todos os homens.



Se nada se repete igual,

todas as coisas são últimas coisas.

Se nada se repete igual,

todas as coisas são também as primeiras.


A poesia de Roberto Juarroz (1925-1995) constitui uma presença indispensável nas letras argentinas. Publicou treze volumes de poesia, todos com o mesmo título de Poesía Vertical, mais o número da série. Em 1997, em edição póstuma, saiu Poesía Vertical XIV. Entre 1958 y 1965 dirigiu a revista Poesía=Poesía, onde, além do próprio Juarroz, publicaram Octavio Paz, Manuel del Cabral, Alejandra Pizarnik etc.

Ignacio Vázquez

16 comentários:

Unknown disse...

Gerana, devo confessar minha ignorancia a respeito do poeta Roberto. Por isso gosto de te ler. Ainda bem que tenho tempo de suprir essa lacuna e me penitenciar. Abraço.

Unknown disse...

Faz tempo que não vinha ao seu espaço e aoutros de que gosto, por mera desorganização. Falho de ideias, cheio de cansaço, não dei o devido acompanhamento aos espaços que prexzo. Agora, com tudo arrumado, vim deliciar-me com a poesia e com a crítica literária, sóbria, incisiva, pedagógica. Gosto das suas análises. Muito!

Ana Tapadas disse...

Gerana:
Vibro com poesia do sul da América e conheço tão pouco!
Obrigada pela dádiva! Excelente.
Beijinhos

dade amorim disse...

Às vezes a poesia anda de mãos dadas com a filosofia. Não conhecia o poeta.
PS: A ideia do(s) livro(s) me passa pela cabeça. Mas as editoras são duras na queda. E das independentes, nem quero mais ouvir falar.

João Renato disse...

Olá, Gerana,
É a primeira vez que escuto falar de Robero Juarroz.

"cumprir o rito imprescindível
de inaugurar outra linguagem."

É isso mesmo.

Abraço,
JR.

Lisarda disse...

Querida Gerana, muito obrigado pela traduccão do poema assim como da ínfima nota que escribí.De haber previsto tu generosidad, la hubiera escrito con mayor detenimiento...
Gracias a vos y a tus muchos y variados lectores.Un abrazo.

Pena disse...

Linda Amiga:
Um conjunto de poesias que se vão anulando sucessivamente e formam a ternura, encanto e beleza imensos.
As suas!
Excelente!
Beijinhos amigos de respeito imenso.
Sempre a admirá-la e ao seu talento ímpar.
Bem-Haja pela ternura expressa no meu cantinho.
Maravilhado

pena

Adorei!

A Magia da Noite disse...

as palavras são um caminho, percorrê-lo faz esquecer o que passou, olhando apenas para o que vem imediatamente depois do que já passou.

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

A meta-linguagem dessa poesia foi bem posta pelo o autor, é complicado sempre falar da própria linguagem e do ato de escrever...
Ps-Escreva algo sobre Murilo Rubião

Fernando Campanella disse...

Muito bom esse poema do Robero Juarroz. Tem uma lógica, uma certa linha filosófica que segue. Este pensamento também já me passou pela mente:

'também cada homem faz olvidar o anterior,

faz olvidar a todos os homens.'

Talvez nossa eternidade tão sonhada seja esta: nosso fim,nosso esquecimento em nós próprios, nosso começo, nossa continuidade em outros.
Grande abraço.

Anônimo disse...

Que lindo, como ele nos leva suavemente à sua conclusão de que tudo é novo na vida.
Ah, que alma possuem certos seres, capazes de tanta delicadeza. E que alma a sua que me brinda assim, seja com palavras alheias, seja com suas próprias. Obrigada Gerana!

glaucia lemos disse...

Gostei, ele é originalíssimo, diz a simplicidade das coisas sem grande pretensão, gostei mesmo.

Jefferson Bessa disse...

Lindo poema, Gerana! Belo.


Não deixei de pensar nesses versos do mestre Alberto Caeiro:

"Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo..."

Obrigado pelo poema!
Beijos.
Jefferson.

Marta disse...

gostei muito deste poema Gerana.peço autorização para o levar para o meu blog, com os devidos créditos.


[tem, no Mínimo, um texto que lhe dedico. por ter ficado a saber da sua admiração por Sophia de Mello Breyner Andresen...]

abraço

A Itinerante - Neiva disse...

Gerana,

Não gosto muito deste tipo de poema de definições, que diz o que é uma coisa. Prefiro algo mais sutil, que leve o leitor a concluir o que se quer dizer ao invés de se dizer, por mais belo que seja a forma que se diga.

Talvez por não gostar deste gênero, meu impulso é sempre contestar o que se diz. rsrs

Beijos

Gregorio Omar Vainberg disse...

Gerana.
Parabens por dar a conhecer a este poeta..
Roberto Juaroz
Um ilustre desconhecido por cá.

Um abrazo e feliz dia ( por ontem, né)